CRÍTICA



  • Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou, un precioso entramado
    Por Denis Le Senechal Klimiuc


    Bárbara Paz mergulha em uma visita ao passado, presente e futuro do glorioso cineasta que deixou sua marca no mundo e partiu em 2016.
    Hector Babenco se tornou uma daquelas figuras tarimbadas do cinema nacional, pois conseguiu elevar seu talento em diferentes obras, em épocas distantes, e por isso ser reconhecido mais de uma vez por dominar a arte do cinema. O que pouco se sabe é que o cineasta passou boa parte de sua carreira acometido de câncer, que enfrentou por anos a fio enquanto sobrevivia justamente para ver o seu cinema existir. Sua partida foi prematura, mas sua ausência é sentida em cada segundo neste documentário de Bárbara Paz, “Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou”.

    Enquanto Hector lutava pela última vez contra o câncer, Bárbara Paz, sua parceira nos últimos anos de vida, conseguiu a rara façanha poucas vezes vista sobre a vida de um diretor de cinema: ela capturou a essência dele e a transformou em um longa-metragem sobre quem foi e o que construiu. Desta forma, no formato documental, mas nada convencional, o espectador é levado aos recortes que compõem este tecido precioso de direção, algo que o primeiro ato evidencia ao transformar a figura de Babenco em um homem complexo, sonhador, idealista, mas repleto de manias e idiossincrasias – um verdadeiro pote de ouro para o roteiro.

    Precioso como boa parte de sua filmografia, o cineasta é o protagonista desta história enquanto, consciente de seu estado de saúde, cria uma versão de si mesmo para deixar para a posteridade. No entanto, ao contrário do normalmente visto, o clima mórbido não faz parte da atmosfera documental, e sim uma aura quase prateada de vida, que perpassa entre a mágica que acontece na história e o olhar do espectador.

    Desta forma, um homem é construído. Nasceu diferente, com a criatividade pulsando em sua têmpora, o que poderia se tornar um aneurisma caso não se deixasse esvair de tempos em tempos. Assim nasceu então o documentário “O Fabuloso Fittipaldi”, de 1973, e o primeiro contato de Babenco com o que mais tarde seria sua radicalidade brasileira. Após isso, seu talento começaria a chamar a atenção do cinema de Hollywood, transformando as décadas de 1980 e 1990 em uma miscelânea de talentos norte-americanos e brasileiros em obras como “O Beijo da Mulher Aranha” e “Brincando nos Campos do Senhor”.

    Quando Babenco levou às telas a adaptação do livro de seu velho amigo Drauzio Varella, uma nova geração passou a contemplar seu cinema, resultando em “Carandiru”. Além de todo o seu histórico, o cineasta também brincou com outro idioma, o espanhol, em filmes como “Coração Iluminado” e “O Passado”, até chegar no desfecho de sua carreira atrás das câmeras com “Meu Amigo Hindu”, no qual Willem Dafoe faz o próprio diretor em seu estado de saúde terminal. 

    Com uma carreira tão versátil e camaleônica, é praticamente impossível classificar qual tipo de diretor Hector Babenco foi. Mas o que Bárbara Paz intencionalmente faz não é trazer um apanhado histórico, técnico ou narrativo, e sim espiritual – não no sentido religioso, mas da essência que esse homem de tantas faces tinha dentro de si. Com isso, a diretora traça em seu documentário um paralelo das diversas obras construídas por Babenco enquanto este narra sua própria trajetória, além de condizer com os diversos momentos melancólicos de seus últimos anos de vida.

    O mais interessante aqui é que Paz captou o cineasta enquanto este sabia o que estava sendo feito, algo que fica evidente nos depoimentos, pois o próprio cria sua narrativa, sua linha de vida dentro da sétima arte, empregando as mãos da diretora para conduzi-lo enquanto suas experiências de vida são montadas junto de sua pose quase sempre desafiadora, anárquica e gentil. Sim, Babenco tinha disso: criava paradoxos dentro e fora das telas.

    Assim, em uma montagem comovente, sob o olhar amoroso de quem estava ali, acompanhando a última luta de seu grande parceiro, Bárbara Paz apresenta um documentário impecável, seja do ponto de vista técnico ou narrativo, trazendo memórias enquanto cria experiência ao espectador, de forma sutil mas constante, com o fio de prata imaginário indagando quem assiste ao filme sobre quais foram os momentos que aquele cineasta, já tão franzino e debilitado, havia causado na vida de tanta gente, de diferentes gerações.

    A resposta é igualmente mágica: infelizmente, enquanto o câncer acometeu boa parte da carreira de Hector Babenco, sua criatividade pulsante lhe direcionava a projetos tão diferentes quanto significativos, cujos resultados marcaram as vidas de pessoas de variadas origens, além de brincar com a mudança de idioma, através de seu elenco, indagando os mais conservadores sobre o quanto o cinema, como arte coletiva e democrática, pode falar através de sua linguagem universal.

    Sobretudo, Bárbara Paz conseguiu levar o espectador à mente de um homem cuja profissão era a de ser cineasta, ou seja, de contar histórias, e que, com o terceiro ato de sua vida, passou a construir o seu próprio roteiro diante do que ficaria para além de sua morte. Com duas cenas finais de cortar o coração, o resultado é exatamente esse: o amor bárbaro que tanta paz deu ao homem cuja despedida merecia, sim, um jantar com brindes e muita risada, do jeito que ele gostava, celebrando a vida.

    (Fuente: cinemacomrapadura.com.br)


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